DEFININDO AS COMPETÊNCIAS ORGANIZACIONAIS
Por meio da Voz do Mercado

André Freitas (*)

A abordagem de Gestão por Competências tem se destacado no campo da gestão de pessoas, com as organizações, públicas e privadas, empenhadas no aprimoramento das competências profissionais de seus colaboradores. Contudo, surge uma questão: não seria igualmente importante que as empresas se dedicassem ao desenvolvimento de um conjunto específico de competências organizacionais para prosperarem em seus mercados? Acredito que sim, no entanto, a atenção dada à dimensão organizacional (Gestão das Competências Organizacionais) ainda não é tão presente nas empresas quanto a dimensão humana (Gestão de Pessoas por Competências).

O conceito

A palavra “competência” pode receber diversos significados tais como alçada, campo de atuação, atribuição, capacidade de realizar determinada tarefa e outras. Na temática da gestão de pessoas, grande parte dos autores define competência como a combinação sinérgica de “conhecimentos, habilidades, e atitudes” – o famoso CHA.

Na dimensão organizacional muitos autores se apoiam no conceito de Competência Central (Core Competence) proposto por Prahalad e Hamel1: “conhecimento coletivo da empresa sobre como coordenar diversas habilidades e tecnologias de produção”

Já Fleury & Fleury2 (2004), citando Mills, por sua vez, apresenta quatro níveis de competências:

  • Competências essenciais: chave para a sobrevivência da organização;
  • Competências distintivas: reconhecidas pelos clientes como diferenciadoras;
  • Competências organizacionais: conjunto de habilidades coletivas e gerais;
  • Competências individuais: saber agir associado à entrega.

Outros autores consideram como Competência Organizacional aquela qualidade que distingue a empresa das demais, e é reconhecida pelo mercado, por exemplo:

  • Apple: inovação tecnológica;
  • Amazon: experiência do cliente;
  • Toyota: excelência operacional;
  • Volvo: inovação em segurança.

Independentemente da definição conceitual, na prática a questão que deve ser respondida é: como saber quais são, se a organização possui, e em que medida, as competências organizacionais necessárias para conseguir um ótimo desempenho no seu mercado? A resposta está na abordagem denominada Voz do Mercado. Nessa metodologia, a perspectiva interna das competências organizacionais (autopercepção) é confrontada com a percepção externa (do mercado). Esse confronto mostra se a organização possui, ou não, e em que grau, as competências que o mercado valoriza.

Para a Voz do Mercado, Competência Organizacional é um “conjunto de qualidades, reconhecidas pelo mercado, que contribuem para um sólido desempenho da organização”. Essas qualidades abrangem tanto aspectos internos, como eficiência operacional e gestão de recursos, quanto fatores externos, como compreensão do mercado, inovação e habilidades de adaptação.

Uma visão mais abrangente do negócio

Pesquisar as competências organizacionais por meio da Voz do Mercado é muito útil sob diversos aspectos. A experiência mostra, por exemplo, que, com honrosas exceções, as empresas não contam com um mecanismo mais preciso de verificar o quanto as suas competências organizacionais estão alinhadas com as que o mercado prioriza (competências organizacionais requeridas). Avaliar a satisfação do cliente é um aspecto importante e isso qualquer boa pesquisa de mercado realiza adequadamente, mas… o que o mercado prioriza? Isso as pesquisas tradicionais geralmente não respondem ou respondem parcialmente.

Com a Voz do Mercado é possível ter uma visão mais abrangente do negócio, ou seja:

  • Compreender com precisão as expectativas (explícitas ou não) do mercado no qual a empresa está inserida. Descobrir o que é valor para o cliente;
  • Descobrir se a empresa tem o talento naquilo que o mercado valoriza e não necessariamente naquilo que a empresa prioriza, e analisar possíveis lacunas;
  • Alinhar os recursos internos com os requisitos de mercado buscando reduzir ou eliminar os gaps.

Uma inversão no modelo de gestão pela Voz do Mercado

Até recentemente o modelo de gestão vigente em algumas empresas era o de convencer o cliente que o seu produto é o melhor, a fim de conseguir uma venda, ou seja, “empurrar” produto para o cliente a fim de conseguir a utilização máxima da sua capacidade. Contudo, esse modelo não considerava adequadamente as expectativas, desejos e necessidades do cliente, ou seja, nesse modelo o foco é “vender o que é produzido”.

O que se observa hoje é uma inversão no panorama com as empresas se orientando pelo mercado. É importante destacar que, nesse modelo, o foco não está apenas no cliente, mas sim no mercado, o que inclui clientes, fornecedores e concorrentes. Tampouco essa abordagem recomenda que a empresa se oriente para o mercado, mas sim pelo mercado, o que aponta para uma inversão significativa de perspectiva.

Em outras palavras:

  • No passado: “Product out”
  • Hoje: “Market in”

A Voz do Mercado é uma metodologia que ajuda a organização a compreender, de forma técnica (com método em vez de feeling) as expectativas e necessidades do mercado, isto é, os requisitos do mercado (as competências organizacionais requeridas) e fornece dados para avaliar as competências que a empresa possui (evidenciamento de competências) de modo a destacar os eventuais gaps entre os requisitos do mercado e as competências organizacionais da empresa. Com isso, a empresa pode estabelecer ações que permitam direcionar melhor seus esforços a fim de eliminar investimentos em ações que o cliente não valoriza.

O que faz a Voz do Mercado

A Voz do Mercado identifica vantagens competitivas (competências organizacionais que o cliente valoriza) e pontos vulneráveis (lacunas de competências). Em outras palavras, ela contribui para uma compreensão mais profunda do mercado e da posição estratégica da empresa.

Esse entendimento envolve saber:

  • Quem são e quem poderiam ser os nossos clientes;
  • Quem são os nossos concorrentes, suas vantagens e desvantagens considerando a perspectiva do mercado;
  • O que os clientes querem, o que necessitam e por quê;
  • O que os clientes esperam, desejam e não sabem explicar;
  • O que os fornecedores esperam e como potencializar a parceria.

Enfim, permite entender o mercado, para poder se alinhar às Competências Organizacionais Requeridas, ou seja, aos Requisitos do Mercado, explícitos ou não.

A metodologia da Voz do Mercado

A metodologia da Voz do Mercado tem uma estrutura básica de 13 etapas que necessitam ser customizadas para cada caso específico. Três fatores determinam essa personalização:

  • As particularidades da empresa que utilizará a Voz do Mercado;
  • Produtos ou segmentos que serão objeto da Voz do Mercado;
  • A amostra a ser pesquisada.

Inicialmente é necessário entender o mercado e modelar os instrumentos de pesquisa, além de identificar a estratégia de aproximação mais eficaz, pois a experiência mostra que alguns clientes podem relutar em responder a pesquisas. Esses instrumentos de pesquisa são utilizados no trabalho de campo compreendendo entrevistas presenciais, à distância, grupos de clientes e outras abordagens.

Em seguida os dados são tabulados, segmentados e consolidados fornecendo avaliações quantificadas. Ao mesmo tempo, a análise qualitativa do mercado é desenvolvida a partir do exame de expressões e afirmações utilizadas espontaneamente pelos entrevistados. Essas duas dimensões (quantitativa e qualitativa) fornecem elementos essenciais para formar uma visão global do mercado e gerar recomendações sobre como superar as “Lacunas de Competências Organizacionais”.

As 13 etapas compreendem:

  1. Realizar o entendimento do negócio. Coleta das expectativas com a aplicação Voz do Mercado e definir áreas, linhas de produtos ou segmentos de mercado a serem pesquisados;
  2. Definir internamente as Competências Organizacionais a serem comparados com a visão do mercado;
  3. Definir e selecionar a amostra a ser pesquisada.

Cabe ressaltar mais uma vez que, neste momento, não estamos falando somente de clientes, mas de mercado, o que inclui:

    • Clientes atuais satisfeitos e insatisfeitos;
    • Clientes perdidos ou com volume de negócios decrescente;
    • Clientes em potencial;
    • Autoridades de mercado (formadores de opinião);
    • Clientes de concorrentes;
    • Fornecedores.

  1. Levantar dados gerais e histórico de atendimento;
  2. Definir concorrentes, diretos e indiretos, que serão objeto da pesquisa;
  3. Levantar informações sobre os concorrentes;
  4. Personalizar os instrumentos de pesquisa;
  5. Treinar e capacitar pesquisadores;
  6. Comunicar ao mercado e agendar as entrevistas;
  7. Trabalho de campo: realizar as entrevistas;
  8. Compilar, segmentar e tabular os dados;
  9. Sintetizar e analisar os dados. Preparar e discutir as avaliações quantitativa e qualitativa, gerando uma lista de recomendações;
  10. Planejar e empreender ações para o alinhamento com o mercado.

O resultado da Voz do Mercado

O resultado da Voz do Mercado é uma análise comparativa do grau de importância das Competências Organizacionais e do desempenho da empresa com relação a cada uma dessas competências, com a finalidade de responder ou, pelo menos, encaminhar corretamente as seguintes questões:

  • Estamos certos do que o mercado considera mais importante?
  • Somos bons nisso?
  • Estamos investindo em ações não reconhecidas ou não valorizadas pelo mercado?
  • Para onde devemos dirigir nossos esforços para obter os melhores resultados?

Um caso concreto

Para ilustrar a aplicação da Voz do Mercado, é apresentado a seguir um caso real ocorrido em uma empresa multinacional, sediada em São Paulo, especializada na fabricação de suprimentos médicos, como seringas descartáveis, equipos de soro, agulhas, cateteres entre outros, destinados a grandes hospitais.

O propósito do trabalho foi estabelecer as Competências Organizacionais Requeridas para garantir um desempenho excelente da empresa. Esse procedimento envolveu uma análise comparativa dessas competências em relação à percepção do mercado, considerando tanto a importância relativa quanto o desempenho em cada uma delas. O objetivo final foi fornecer insights para a formulação de estratégias de marketing mais eficazes. As ações realizadas incluíram:

  1. Workshops com os gestores para determinar as Competências Organizacionais que, na perspectiva deles, deveriam integrar o perfil de excelência da empresa. Esse procedimento resultou na primeira versão do conjunto de Competências Organizacionais Requeridas.

Cabe destacar que esse conjunto representa um perfil ideal de competências, não refletindo necessariamente as competências reais da empresa no momento do workshop.

  1. Pesquisa de Campo para confrontar a visão interna das Competências Organizacionais com a perspectiva externa do mercado, permitindo uma comparação direta. O trabalho de campo envolveu 36 entrevistas, realizadas em 31 hospitais, distribuídos em 7 cidades (Belo Horizonte, Campinas, Curitiba, Porto Alegre, Ribeirão Preto, Rio de Janeiro e São Paulo), além da avaliação de 21 concorrentes;

Seguindo a metodologia da Voz do Mercado, os entrevistados utilizaram as escalas, mostradas na Tabela 1 adiante, para atribuir pontuações que refletiam tanto a importância relativa de cada competência em comparação com as demais, quanto a avaliação do desempenho da empresa e dos concorrentes;

Os entrevistados também foram convidados a avaliar se a lista de competências apresentada estava completa. O resultado disso foi a inclusão das competências “Facilidade de Comunicação” e “Imagem da Firma”, ou seja, requisitos do mercado que não haviam sido consideradas internamente;

Além disso, paralelamente, foram conduzidas entrevistas com 5 redes de farmácias, cujo finalidade era mais informativa do que qualitativa. O intuito era validar ou questionar conclusões em particular, provenientes das entrevistas realizadas, sem a atribuição de pontuações específicas.

  1. Tabulação dos dados. A etapa subsequente consistiu na segmentação e tabulação dos dados, cujo resultado está visualmente representado no Gráfico 1 – Tabulação da Voz do Mercado apresentado adiante;
  2. Análise e interpretação dos dados obtidos na Voz do Mercado, com a finalidade de gerar recomendações para alinhar a empresa aos requisitos do mercado.

O resultado dessas ações é mostrado no Gráfico 1 – Tabulação da Voz do Mercado:

 

 

Gráfico 1 – Tabulação da Voz do Mercado

Tabela 1 – Escalas de Pontuação

Algumas considerações relevantes

O Gráfico 1 – possibilita inúmeras análises e conclusões. A título de exemplo, alguns pontos podem ser destacados:

• Destaca-se o bom desempenho em áreas não priorizadas pelo mercado (“Atendimento pelo Distribuidor” por exemplo) e o baixo desempenho em questões de grande importância para o mercado (“Preço e Condições de Pagamento” por exemplo);
• O mercado apresentava requisitos não contemplados internamente, tais como, “Facilidade de Comunicação” e “Imagem da Firma”. Em outras palavras, havia expectativas do mercado que não estavam sendo consideradas internamente.

Enfim, o Gráfico 1 contém uma riqueza de informações muito grande, passíveis de interpretações relevantes. Naturalmente, não foram exploradas todas as possibilidades, uma vez que este breve artigo não tem a intenção de se tornar um relatório extenso. Desse modo, lançamos um desafio ao leitor: que outras interpretações podem ser feitas a partir desse gráfico? Mande sua resposta para alfreitas@alfreitas.com.br

1 harvard business review • may–june 1990
2 Fleury, Afonso e Maria Teresa – Estratégias Empresariais e Formação de Competências: um quebra-cabeça cadeiloscópico da indústria brasileira. – 3ª. Edição, São Paulo: Atlas, 2004 – pg. 34.

(*) André Freitas é Consultor em Gestão Empresarial, com foco em Gestão de Pessoas, Gestão de Processos e Projetos de Reestruturação Organizacional