CRIATIVIDADE E DESAFIOS

“O mundo em que vivemos começou a gerar problemas que não podem ser resolvidos com o tipo e a qualidade de pensamento que este mesmo mundo vinha empregando e transmitindo até agora”

Albert Einstein – 1952

 

André Freitas (*)

A frase acima, muito embora tenha sido dita no século passado, se mostra muito atual. Uma das razões é que, no mundo hoje, temos acesso a uma quantidade absurda de dados e informações de uma quantidade e complexidade muito maior do que a capacidade que o nosso “equipamento pensante”, o cérebro, tem de processar. Antigamente dizia-se que “informação é poder”, hoje pode-se dizer que “filtro é poder”. Ainda sem entrar na discussão sobre a diferença entre dados e informações (penso que temos mais acesso a dados do que a informações qualificadas), basta perceber o volume de dados que resultam de uma simples busca no Google. É claro que a inteligência artificial (IA) poderá nos ajudar nesse filtrar mas, ainda assim, é necessário um outro modelo mental para lidar com a complexidade do mundo atual. Penso que as crianças de hoje, que já nascem sujeitas a essa superexposição a dados, já estão moldando esse novo modelo mental. Mas ainda estamos longe, a tecnologia está na nossa frente. E esse é apenas um dos desafios que precisamos enfrentar. A vida nos oferece vários.

Enfrentar um desafio não é exatamente “procurar problemas”. Enfrentar um desafio é colocar-se frente a frente (enfrentar) a uma situação na qual as respostas prontas, comuns, não mais se aplicam, na qual é preciso um salto qualitativo, uma nova saída, ou seja, um salto criativo.

A palavra desafio pode ser mal interpretada. O dicionário1 nos propõe alguns conceitos dinâmicos para a palavra desafiar: Propor duelo ou combate, instigar, incitar, excitar, estimular, provocar, fazer face a, afrontar, arrostar, desinquietar, tentar.” A noção de desafio que se tira desses conceitos instiga o indivíduo àquela atitude de envolvimento e compromisso que o mobiliza, como agente transformador, a intervir criativamente na realidade conhecida, ou seja, criar. Criar significa colocar dinâmica no seu potencial criativo, significa viver, construir, transformar intencionalmente a realidade conhecida enriquecendo-a ou, um pouco mais pretensiosamente, “criando uma nova realidade que nos atenda melhor do que a anterior”.

Mas… como colocar toda a nossa criatividade a serviço de uma realidade melhor? Enfim, como ser criativo? Criatividade se aprende? Essas são algumas perguntas com as quais sou confrontado sempre que o tema criatividade é mencionado. Bem… vários anos me interessando pelo assunto me levaram a considerar que não há uma resposta a essas questões. Pelos menos não há uma única resposta certa. Existem atitudes, olhares, percepções, experimentações, emoções e sentimentos que podem facilitar o processo criativo. Criatividade não se aprende, se exercita. No entanto, pode-se pensar em alguns “caminhos” criativos.

Autoconhecimento

“Conhece-te a ti mesmo” é um aforismo antigo inscrito no pátio do templo de Apolo em Delfos, que parece ter sido criado por Tales, muito embora seja também atribuído a uma poetisa grega antiga ou mesmo à sabedoria popular segundo alguns estudiosos modernos. Repleto de significados, representa o primeiro passo para o desenvolvimento do potencial criativo.

A busca pelo autoconhecimento não é uma tarefa fácil. Existem técnicas, terapias e filosofias dos mais variados matizes com resultados mais ou menos eficazes (e mais ou menos lentos!). A Psicanálise e a Meditação são alguns caminhos, mas se isso não lhe chamar a atenção, procure adquirir o hábito de se observar nas diversas situações desafiadoras, como se fosse um elemento externo.

Conhecer-se significa descobrir potenciais que de outra forma não seriam utilizados, é preciso, porém estar preparado para surpresas.

Flexibilidade corporal

Uma coisa leva a outra. O corpo também faz parte do Ser. Augusto Boal nos ensina: “como podemos esperar que as emoções se manifestem se estamos aprisionados em um corpo mecanizado, automatizado?”

Agora, você pode dizer, eu já pratico exercícios regularmente, portanto tenho flexibilidade. Mas não estamos falando de flexibilidade muscular.  A prática de exercícios leves de alongamento, ao acordar de manhã, por exemplo, ajuda, mas não é tudo.

Duas boas sugestões são a prática de Tai-Chi-Chuan (alia meditação e movimento) e Biodanza (alia expressão corporal e autoconhecimento).

Espontaneidade

A dificuldade em expressar-se espontaneamente normalmente está relacionada ao medo do que os outros vão pensar a nosso respeito. É o medo da rejeição.

Ser espontâneo não significa ser desprovido de influências culturais. Ser espontâneo significa ser coerente consigo mesmo, com os seus valores. Ser espontâneo não é não ter medo. Ser espontâneo significa enfrentar o desafio apesar do medo, significa colocar o medo em movimento. Espontaneidade é o compromisso interior com aquilo que se está fazendo ou se pretende fazer, é fugir de paradigmas pré-estabelecidos que não são mais úteis.

Limites e liberdade

Os séculos 19 e 20 privilegiaram o controle (Descartes, Bacon, etc.), arranhando a liberdade. Hoje somos instigados a buscar uma liberdade ideal, absoluta, sem limites, que está fora das possibilidades humanas. Criar livremente significa essencialmente compreender os limites para, se necessário, ampliá-los. Significa criar apesar dos limites. Exemplificando, uma partida de futebol tem regras claras (mão na bola é falta, falta na área é pênalti e o jogo é jogado dentro “das quatro linhas”) e, apesar disso tudo, o jogo começa 0 X 0 e ninguém sabe o resultado final até que o jogo acabe. Outro exemplo: existem apenas sete notas musicais, mas quantas música foram feitas até hoje? “Pensar fora da caixa” não significa jogar a caixa fora.

Sim, todos temos limites, só não podemos usá-los como álibi para não criar.

Flexibilidade mental

Para exercitar a flexibilidade mental recomendo a técnica do julgamento adiado. Adiar o julgamento não significa não julgar, não avaliar. Significa entender antes de julgar. O julgamento adiado é a base do brainstorming, uma técnica pouco usada em toda a sua potencialidade.

Pegue uma folha em branco (uma tela de computador também serve), concentre-se em um desafio, e escreva tudo, absolutamente tudo que lhe vier à cabeça. Dê uma olhada: talvez tenha mais disparates do que coisa séria, talvez faça você dar boas gargalhadas, não importa… por enquanto. Você verá que com o tempo a quantidade e a qualidade de ideias aumentam, ou seja, o exercício faz o hábito. Experimente antes de emitir a sua opinião! Pense na opinião do outro apenas como “mais um interessante ponto de vista” mesmo que não concorde.

Percepção

Desenvolver a sensibilidade ao real, inicialmente pelos nossos cinco sentidos nos municia de material para criar.

Um bom exercício. Imagine que você é um turista de um país distante, com uma cultura bem diferente da nossa. Olhe a sua cidade, os lugares mais conhecidos, com os olhos e com o espanto desse turista. Imagine que você é Pedro Álvares Cabral e chegou hoje para descobrir o Brasil encontrando tudo como está. Como você reagiria a telefones celulares, computadores, incertezas econômicas, etc.?

A percepção também pode ser exercitada intelectualmente. Diante de uma determinada situação, pergunte sempre: o que isto quer dizer? O que está por três desta situação? Qual o significado dessa atitude?

Bem, na verdade não há um algoritmo, uma “receita de bolo” para se desenvolver o potencial criativo mas, praticando, pelo menos você vai se divertir. Por que não?

“Você vê coisas que existem e pergunta por quê? Eu sonho com coisas que não existem e pergunto por que não?” 

George Bernard Shaw

(*) André Freitas é Consultor em Gestão Empresarial, com foco em Gestão de Pessoas e de Processos

1 Michaelis online

 

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